Geoparque Corumbataí

A escolha da Bacia Hidrográfica do Rio Corumbataí (SP) como área-alvo para o desenvolvimento de um projeto de Geoparque se deve ao fato de constituir uma área territorial com limites claramente definidos, que inclui notável patrimônio geológico, notadamente a área de recarga do Sistema Aquífero Guarani (SAG), aquífero transfronteiriço internacional, considerado patrimônio mundial. Isto também está aliado ao fato de que esta região também possui grande riqueza ambiental, paisagística, arqueológica, paleontológica, histórica e cultural, de importância nacional e internacional, a ser conservada e aproveitada como fonte de renda pela população local.

Municípios da Bacia do Corumbataí (território do Projeto Geoparque Corumbataí). Fonte: André Kolya (2018)
Municípios da Bacia do Corumbataí (território do Projeto Geoparque Corumbataí). Fonte: André Kolya (2018)

A relevância internacional é dada pelos sedimentos da Formação Irati (Permiano da Bacia Sedimentar do Paraná), aflorante na região, que é matriz da ocorrência dos fósseis de répteis Mesossaurídeos (répteis aquáticos providos de nadadeiras, semelhantes a lagartos que se alimentavam de pequenos crustáceos parecidos com os atuais camarões), que aqui viveram há cerca de 250 milhões de anos, ocorrendo também em sedimentos semelhantes na Bacia do Karoo, na África, o que sugere que as regiões eram próximas àquela época, reforçando a teoria da deriva continental. Inclusive, uma das pedreiras ativas da Formação Irati será destinada à implantação de um Parque Geológico, ao término da lavra, o que deverá aumentar muito a visibilidade para a região.

O relevo de cuestas basálticas também confere grande beleza cênica à região, o que levou à criação de uma APA estadual englobando tais feições, além da proteção dos mananciais. A Bacia do Rio Corumbataí, com área de 1.710 km² e população aproximada de 700 mil habitantes, estende-se por oito municípios: Analândia, Charqueada, Corumbataí, Ipeúna, Itirapina, Piracicaba, Rio Claro e Santa Gertrudes.

O Projeto Geoparque Costões e Lagunas do RJ realizou uma entrevista especial com a equipe do Geoparque!
Confira abaixo!

1) De que forma começou o Geoparque, quem participou e como está o projeto hoje?

A região da Bacia do Corumbataí, desde muito tempo, com seu exuberante patrimônio natural, é cenário de pesquisas geológicas, paleontológicas e arqueológicas. A criação do curso de Geologia da UNESP, em Rio Claro, tem uma ligação direta com este território de magnífica Geodiversidade. Nesse contexto, a UNESP participou ativamente da Comissão de Patrimônio Geológico do estado de São Paulo e havia uma proposta, capitaneada pelo Prof. Alexandre Perinotto, para que uma das pedreiras da Formação Irati no município de Rio Claro se tornasse Monumento Geológico.

O primeiro estudo que apontou, de forma integrada, a relevância do Geopatrimônio da Bacia do Corumbataí foi um Projeto de Pós-doutorado, desenvolvido na UNESP Rio Claro e concluído em 1996 pela pesquisadora Mariselma Ferreira Zaine, apresentando um mapa ilustrado dos patrimônios naturais da Bacia do Corumbataí. Foi este mapa que deu origem ao embrião do projeto quando, em 2015, representantes do Consórcio PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) e a Prof.ª Dr.ª Luciana Cordeiro Souza-Fernandes conheceram o modelo de Geoconservação proposto pela UNESCO e vislumbraram o potencial da região. Assim, o mapa ilustrativo ressurgiu como instrumento agregador e motivador na união de forças para tornar este território um Geoparque. Se isto acontecer, será este o primeiro Geopark UNESCO do mundo a ser delimitado por uma Bacia Hidrográfica, tendo a água como fio condutor.

Assim, em fevereiro de 2016, teve início o Projeto Geoparque Corumbataí, constituindo-se um Grupo de Trabalho (GT) composto por pesquisadores da UNESP Rio Claro, mais especificamente do Instituto de Geociências e Ciências Exatas; da UNICAMP, Faculdade de Ciências Aplicadas, Campus Limeira, e pela equipe do Consórcio PCJ.

As atividades tiveram início marcado por importante evento na UNICAMP, o Fórum “Geoparque: identidade geográfica, cultural e preservação ambiental”, realizado em 04 de abril de 2016. Presença marcante neste evento, o Professor Artur Abreu e Sá, UTAD e criador do Geopark Arouca/Portugal, trouxe importantíssima contribuição, mostrando a estrutura e o funcionamento de um geoparque consolidado, com excelentes resultados para a comunidade.

A partir daí, iniciaram-se reuniões com vistas ao desenvolvimento do Projeto Geoparque Corumbataí. A equipe inicial foi crescendo e envolvendo cada vez mais pessoas entusiasmadas com os mesmos objetivos. Ponto fundamental, fruto dessas reuniões, foi a organização e realização do “I Simpósio dos Municípios da Bacia do Rio Corumbataí” que reuniu, no dia 29 de maio de 2017, no anfiteatro do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da UNESP, em Rio Claro, representantes dos oito municípios que compõem a bacia. O evento proporcionou a apresentação, por parte dos municípios, dos pontos que consideram importantes para a criação de um Geoparque. Em outro momento, a equipe responsável apresentou aos participantes os conceitos e fundamentos de um Geoparque e a existência de geoparques no mundo. Vale destacar dois vídeos também apresentados ao final do evento: um com a fala do Professor Artur Abreu e Sá, da UTAD – Geopark Arouca, e o outro sobre o único geoparque brasileiro, Geopark Araripe. O evento foi um sucesso.

Após esse Simpósio, com a sensibilização criada, o Grupo de Trabalho (GT), após reuniões de avaliação e planejamento, iniciou visitas a cada um dos oito municípios, as chamadas “caravanas”, entre setembro de 2017 e novembro de 2018. As reuniões aconteceram no período noturno, para que mais pessoas pudessem participar, contando com a presença de prefeitos, secretários municipais, vereadores, membros do Conselho Municipal de Turismo (COMTUR) e representantes de entidades e da comunidade. Nessas reuniões, que foram muito ricas e incentivadoras para a continuidade do projeto, representantes de cada cidade apresentaram os recursos naturais, históricos e culturais que são importantes para a constituição de um Geoparque. Por sua vez, o GT apresentou pontos importantes a serem considerados para a implementação do projeto, constituindo-se um grupo local de trabalhos e distribuído um formulário visando a inventariação de geossítios.

Estes formulários, assim como muitas pesquisas bibliográficas e consultas à comunidade geocientífica, foram utilizados para compor o inventário do projeto, identificando 170 Locais de Interesse Geológico no território. Logo após a finalização do inventário, o GT do projeto promoveu o “II Simpósio dos Municípios da Bacia do Rio Corumbataí”, ocorrido no dia 30 de agosto de 2019, nas dependências da FCA/UNICAMP Limeira. Este evento marcou o início de uma nova etapa do projeto, voltando as ações do grupo para atividades específicas junto às comunidades e aos geossítios identificados.

2) Como é constituída a estrutura de gestão do Geoparque? Quais as categorias profissionais que fazem parte da equipe?

A gestão do Projeto Geoparque Corumbataí é realizada pela equipe do Grupo de Trabalho, com o apoio de uma rede de colaboradores. O GT conta com profissionais com experiência em geociências, gestão e direito. A rede de colaboradores conta com a participação de docentes, discentes e/ou pesquisadores nas áreas de Geologia, Arqueologia, Geografia, Ecologia e Biologia, Direito, Administração, Engenharia Ambiental, Engenharia de Produção e Arquitetura. Os municípios participam desta rede por meio de prefeitos, secretários, vereadores, bem como integrantes dos Conselhos Municipais. A rede também conta com o apoio de instituições como o Consórcio PCJ e a Governança Turística da Serra de Itaqueri, fazendo uma ponte entre Universidade, Poder Público, 3° Setor e Sociedade.

3) Quais as principais ações de geocomunicação e geoeducação que vocês promovem no território?

Em 2016, foi criado o site do Projeto Geoparque Corumbataí, que hoje já conta com 75 reportagens publicadas, e a página do projeto no Facebook, com grande alcance regional. Posteriormente, foram criadas outras redes como Instagram e YouTube, para divulgação de conteúdo audiovisual. Parte da divulgação também é realizada em parceria com a mídia tradicional, por meio de reportagens na televisão, rádio, mídia impressa e portais de notícias. Recentemente, no período de isolamento imposto pela pandemia do COVID-19, a equipe do Projeto tem se engajado na disponibilização de LIVES em vídeo e dos grupos em redes sociais.

No âmbito da educação e popularização das geociências, a equipe do Projeto tem grande experiência no acompanhamento de visitas guiadas ao território, participando ativamente de aulas de campo de escolas e universidades. Paralelamente, foram produzidos diversos materiais interpretativos como panfletos, painéis, roteiros de campo e vídeos.

No ano de 2019, iniciou-se o Projeto Geo-escola, um projeto de educação escolar e comunitária, liderado pela comunidade local. O projeto contou com treinamentos aos professores que resultaram em atividades em sala de aula e de campo. A conclusão do projeto foi representada por uma Mostra Geocultural, na praça central do município de Corumbataí, em outubro de 2019, e pelo lançamento do livro “As aventuras da peixinha Tatá – procurando as conchas fósseis de Corumbataí”, distribuído para todos os estudantes do município. Este projeto tornou-se um modelo-piloto, que agora está sendo replicado no território.

4) Quais são os geossítios e sítios culturais de maior relevância para o Geoparque?

a) Parque Geológico de Assistência (Rio Claro): Pedreira com afloramento de calcário e folhelho da Formação Irati (Permiano), com fósseis de Mesossaurídeos – Visitação Guiada

Os afloramentos da Formação Irati são considerados os geossítios mais relevantes do Projeto Geoparque Corumbataí. Sendo o distrito de Assistência à área geográfica que abriga o holoestratótipo do Membro Assistência da Formação Irati. O futuro parque geológico deverá atrair diversos geocientistas e entusiastas para conhecer o local onde esta camada-guia gondwânica foi descrita pela primeira vez. Ajudam a somar para a relevância do local os fósseis de mesossaurídeos, indicativos da evidência da teoria da deriva continental.

b) Morros do Cuscuzeiro e Camelo (Analândia): Relevos residuais com exposição de arenitos eólicos da Formação Botucatu – Área Turística

Esses exuberantes morros testemunhos expõe as camadas areníticas do Mesozoico e também ajudam a contar a história geológica da evolução do relevo de cuestas, que caracteriza a transição entre as províncias geomorfológicas Depressão Periférica e Planalto Ocidental. Além da enorme relevância geomorfológica, o geossítio dos morros do Cuscuzeiro e Camelo conta com estrutura para hospedagem, alimentação e lazer, que, aliada às ações de conservação da área, tornam o local excelente para atividades científicas, educativas e turísticas.

c) Salto Major Levy (Analândia): Área Turística

Um dos principais aspectos da geodiversidade do território do Projeto Geoparque Corumbataí é a Província Magmática Paraná, considerada a segunda maior província ígnea (LIP) da história do planeta. Este capítulo da história da Terra está muito bem representado por diques e soleiras de magma intrusivo da Formação Serra Geral. O geossítio Salto Major Levy exibe justamente uma destas soleiras de diabásio transpostas pelo Rio Corumbataí, formando uma encantadora cachoeira visitada por praticamente todos os turistas que passam pela Estância Turística de Analândia.

d) Cachoeira do Saltão (Itirapina): Área Turística

O magmatismo extrusivo associado à Formação Serra Geral pode ser admirado no geossítio Cachoeira do Saltão, uma das maiores cachoeiras do estado de São Paulo. No local, também são evidentes as ações do intemperismo e da erosão na evolução recente do relevo, escavando o cânion onde a Cachoeira do Saltão e outras duas cachoeiras se desenvolveram. O local oferece estrutura completa para visitação, com área de lazer, hospedagem e alimentação.

e) Museus de Mineralogia e Paleontologia da UNESP (Rio Claro): Visitação Guiada

No município de Rio Claro, o acervo dos museus de Geociências da UNESP representa boa parte da Geodiversidade do território do Projeto Geoparque Corumbataí, contando com peças únicas que, desde a década de 1960, são coletadas no laboratório a céu aberto, na região da Bacia do Rio Corumbataí. Ambos os museus contam com sites na internet, onde os visitantes podem conferir parte do acervo e agendar visitas.

f) Várias Cavernas em Arenito, como a Gruta do Fazendão (Ipeúna), Boca de Sapo (Itirapina) e Índio (Analândia)

As cavidades naturais são um grande destaque do Projeto Geoparque Corumbataí. Desenvolvidas em arenitos eólicos da Formação Botucatu, são um excelente local representativo do paleodeserto Botucatu e da área de recarga do Sistema Aquífero Guarani. Estes geossítios também evidenciam a evolução do relevo, bem como a ocupação humana pré-histórica, representada por depósitos de materiais líticos e pinturas rupestres.

g) Parque Ecológico de Ipeúna (Ipeúna): Área Turística

O principal atrativo deste parque do município de Ipeúna é um salto d’água desenvolvido em camadas siltosas e carbonáticas da Formação Corumbataí. Além das questões sedimentares e paleontológicas, o local se destaca pela beleza cênica e pela estrutura, sendo um geossítio propício tanto para atividades educativas quanto turísticas.

h) Coquinas do Sítio Canhoni (Corumbataí): Visitação Guiada

Este geossítio é um interessante representante dos afloramentos das camadas fossilíferas de conchas da Formação Corumbataí. Além da abundância de fragmentos de coquina presente no local, os visitantes também podem se encantar com a produção artesanal da família Canhoni, proprietária do local.

i) Mirante da Serra de Itaqueri (Charqueada)

Localizado na estrada que liga o município de Charqueada com o alto da Serra de Itaqueri, este mirante fornece uma exuberante vista da província geomorfológica denominada Depressão Periférica Paulista.

j) Elevador Panorâmico/Salto do Mirante (Piracicaba)

Apesar de estar fora dos limites da Bacia do Rio Corumbataí, este importante ponto turístico do município de Piracicaba fornece uma boa visão do Rio Piracicaba, logo antes de receber as águas do Rio Corumbataí. Além dos aspectos geomorfológicos e fluviais, este geossítio permite a visão das rochas básicas que servem de leito para as águas do Rio Piracicaba.

k) Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade (FEENA) (Rio Claro)

A FEENA, uma unidade de conservação formada por floresta plantada de eucaliptos trazidos da Austrália no começo do século XX, é patrimônio ecológico e cultural da cidade. Faz limite com a área urbana de Rio Claro e localiza-se em terrenos com domínio de diabásio que, além do solo fértil, destacam o denominado morro do Horto na topografia da região.

l) Salto do Altarugio e Sítio Arqueológico Alice Boer

Geossítio relacionado aos diques e soleiras do magmatismo relacionado à Formação Serra Geral, bem como às fraturas que condicionaram a evolução do relevo. Nos terraços associados ao curso d’água ocorrem também materiais líticos pré-históricos (pontas de flecha, furadores e raspadores de sílex), que constituem importante sítio arqueológico, denominado Alice Boer.

5) Qual é o maior desafio que vocês enfrentaram na divulgação e engajamento do projeto?

Apesar de todos os esforços já empregados na comunicação, a equipe ainda encontra muita dificuldade no diálogo com alguns setores da comunidade. Embora os conceitos e ideias apresentados pelo Projeto tenham boa receptividade, verifica-se que devem ser constantemente apresentados e reforçados, pois ainda é novidade para muitas pessoas. Além disso, há o desafio de coordenar todas as ações do Projeto, que ocorrem de forma descentralizada em todo o território.

6) Quais são os planos para o futuro do Geoparque Corumbataí?

Atualmente, a equipe está focada em desenvolver alguns subprojetos, como:

  • Sinalização dos geossítios mais relevantes, com a criação de uma identidade visual.
  • Desenvolvimento do Parque Geológico de Assistência, considerado o principal geossítio do território e possível sede do Geoparque.
  • Instalação de um jardim geológico nas dependências do campus da UNESP em Rio Claro, valorizando ainda mais a atratividade do local que já conta com dois museus geológicos.
  • Ampliação das ações de Geoeducação, levando o Projeto Geo-escola a todas as regiões do território.
  • Formalização e profissionalização da gestão do projeto, diminuindo o protagonismo das universidades e ampliando a participação comunitária local.

7) Gostaria de ressaltar alguma característica que faz do seu projeto especial?

Por fim, ressaltamos as características de maior relevância do território:

  • O local-tipo da Formação Irati, com relevância internacional para a reconstrução da geologia histórica do supercontinente Gondwana e da evolução tectônica global.
  • Área de recarga do Sistema Aquífero Guarani, um vasto reservatório de águas subterrâneas e importante manancial de superfície. O rio Corumbataí abastece as duas maiores cidades do território (Rio Claro e Piracicaba).
  • Geodiversidade extremamente representativa da estratigrafia da Bacia Sedimentar do Paraná no estado de São Paulo, sendo o território considerado um laboratório e museu a céu aberto para diversas universidades brasileiras.

8) Defina o Geoparque Corumbataí em apenas uma palavra e por quê?

Desafio. Sabemos e acreditamos que o território do Geoparque poderá contribuir para o desenvolvimento sustentável da região, em sintonia com a proteção ambiental. O grande desafio é viabilizar este projeto, levando o sentido de pertencimento à população e organizar uma estrutura de gestão capaz de transformar este sonho em realidade.

Galeria de Fotos:

Mapa ilustrado da Bacia do Rio Corumbataí (território do Projeto Geoparque Corumbataí). Fonte: Mariselma Zaine (1996), vetorizado por André Kolya (2018)